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Chegou a vez de Portugal?, por Suzana Barelli

A notícia, já desmentida, da venda da Quinta do Crasto revela o interesse crescente pelos vinhos premium do país.

Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market

A notícia da venda da Quinta do Crasto para um fundo de investimento brasileiro repercutiu fortemente tanto em Portugal como no Brasil nesta semana. Veiculada pelo jornal português “O Público”, um dos maiores em circulação no país, a informação é que este fundo pagaria mais de 100 milhões de euros pela propriedade, que é um dos mais bonitos cartões postais do Douro, com sua vista privilegiada para o rio.

A notícia viralizou e foi rapidamente desmentida pela família Roquette. “Nunca fomos abordados por ninguém e não estamos a venda”, afirma Tomás Roquette, proprietário da quinta, e acrescenta: “O Douro está se valorizando, mas minha família ainda tem muito a fazer na Quinta do Crasto.”

Verdadeira ou não, a notícia chama atenção para um interesse até recentemente impensável pelas vinícolas portuguesas. “Finalmente, Portugal está conseguindo se afirmar no mundo dos vinhos e subimos no patamar de prestígio”, afirma Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, entidade que promove os rótulos do país.

Até poucos anos atrás, dificilmente uma informação como a venda do Crasto por este valor seria levada a sério e estamparia a página de um jornal. Mais provável seria entrar para as anedotas do mundo do vinho.

quinta do crasto vinha maria teresa

Agora, no entanto, com muitos investidores fazendo cálculos sobre o valor das vinícolas portuguesas, a notícia repercute. Até porque muitos empresários estão chegando a conclusão que é hora de investir nos vinhedos do país, apostando em sua valorização.

O brasileiro Rubens Menin, dono da construtora MRV, entre outros negócios, por exemplo, já investiu mais de 30 milhões de euros em seu projeto também no Douro, e o seu tinto New Legacy Reserva 2018 não tem metade da fama e do preço de um rótulo como Maria Teresa ou o Vinha da Ponte, os dois mais conceituados tintos elaborados pela Quinta do Crasto. E Menin, vale lembrar, é apenas um entre os vários brasileiros que vem apostando fortemente no vinho português.

Se considerarmos, hipoteticamente, o valor oferecido pelo Crasto, estes 100 milhões de euros são relativamente baratos frente a investimentos em propriedades vinícolas em outros países europeus. O próprio jornal “O Público” faz o cálculo e informa que com o montante não seria possível comprar mais de 50 hectares das melhores vinhas na Borgonha ou de 100 hectares em Champanhe. O Crasto, apenas a quinta, tem uma área de 130 hectares, 80 delas com vinhedos, além do seu valor intangível de ser uma propriedade com histórias desde o início do século XVII e que está há mais de um século na mesma família. Seus vinhos próprios chegaram apenas em 1994. Hoje são mais de 1,5 milhão de garrafas por ano, exportadas para 54 países. É a marca do Douro com maior valor no Brasil.

A Quinta do Crasto não é um caso isolado neste novo cenário português, o que leva à pergunta do título. Sim, tudo indica que Portugal está subindo alguns degraus em sua valorização no mundo dos vinhos premium. Veja o caso do Júpiter, um tinto lançado em junho deste ano com o preço de 1.000 euros a garrafa (no Brasil, chegaram apenas seis garrafas com o valor de R$ 18 mil cada).

Herdade do Rocim Jupiter

Herdade do Rocim Jupiter, o vinho português mais caro já lançado.

“Está na hora de Portugal ser arrojado com os seus vinhos e cobrar por isso”, afirma Claudio Martins, sócio da consultoria Martins Wine Advisor, embaixador do bordalês Liber Pater, tinto que chega ao mercado com preço de 30 mil euros a garrafa, e representante da Oeno, empresa inglesa de investimentos em vinhos, para Portugal e Brasil. Martins é o idealizador do projeto Vinhos do Outro Mundo, que tem o Júpiter como seu primeiro vinho. A coleção inclui o lançamento de um vinho para cada planeta, sempre rótulos exclusivos, de produção muito limitada, e a criação de um clube restrito para os felizes proprietários destes rótulos. De Portugal, serão dois vinhos: o Júpiter e um vinho do Porto de safra bem antiga, mas o nome de seu produtor ainda é mantido em segredo.

O pioneiro Júpiter é cercado de histórias, aquele storytelling que compõe um produto de sucesso. Primeiro: o enólogo Pedro Ribeiro, da alentejana Herdade do Rocim, não sabe como reproduzir o vinho. A história é simples: em 2015, ao comprar uma quinta vizinha ao Rocim, Ribeiro pediu para que as uvas colhidas na propriedade fossem colocadas em três ânforas, aqueles potes de terracota utilizados no passado para elaborar vinhos e que, recentemente, voltaram a ser utilizadas por algumas vinícolas. 

Quis o destino que uma das três ânforas originasse este vinho excepcional. A questão é que, na época da colheita, não foi anotado quais uvas foram para cada pote de terracota e Ribeiro só percebeu a grandiosidade do vinho ao abrir a ânfora meses depois. Resultado: desde a safra seguinte, ele tenta elaborar uma segunda safra, até agora sem sucesso, o que muito ajuda na exclusividade deste rótulo.

O Júpiter ousa ainda por ser elaborado no Alentejo, região portuguesa que não conta com o prestígio do Douro, a morada dos grandes vinhos do Porto. E, ainda, por ser elaborado nas antigas ânforas e não nas exclusivas e caras barricas de carvalho francês. Mas o fato é que as primeiras 650 garrafas foram vendidas rapidamente e agora seus donos controlam a venda das poucas restantes – foram elaboradas apenas 800 garrafas desde tinto.  “Portugal começa a trabalhar esta exclusividade, mas o país tem vinhos fantásticos e únicos, como os Portos antigos, e os vinhos da Madeira e os Moscateis”, destaca Martins. 

Portugal também parece estar vencendo a barreira da língua portuguesa para os seus vinhos. Até agora, a maioria dos rótulos premiuns faz mais sucesso em países que falam o português, como o Brasil e a Ângola. O Pêra Manca, por exemplo, é um rótulo alentejano que se esgota rapidamente no Brasil. Recém-lançadas, as primeiras 1.500 garrafas da safra de 2015 se esgotam aqui em apenas um dia, vendidas por R$ 4,4 mil a unidade. Um próximo lote, com mais 1.900 garrafas, deve chegar ao país até o final deste mês.

O ícone Barca Velha, o primeiro grande tinto do Douro, é outro bom exemplo. Desde os anos 1950, este tinto é elaborado apenas em anos de qualidade excepcional, em uma média de três safras por década. A safra atual, de 2011, chega regularmente ao Brasil em pequenos lotes pelos próximos dois anos, com preço de R$ 6,6 mil. A safra anterior foi a de 2008, a primeira elaborada por Luís Sottomayor, o terceiro enólogo a fazer um Barca Velha nestas quase sete décadas.

Casa Ferreirinha Barca Velha

Vinho Casa Ferreirinha Barca Velha 2008

Aqui, um detalhe, digamos, chama atenção: quando lançado, em 2016, uma garrafa do Barca Velha era comercializada R$ 3 mil no Brasil. De uma safra para outra, o valor do vinho mais do que dobrou em reais. “São vinhos raros, que todos querem, mas poucos têm acesso, mas este reconhecimento ajuda a todos os vinhos do país, dos caros aos baratos”, afirma Falcão.

Aos ícones Barca Velha e Pêra Manca, somam-se outros vinhos como a Quinta do Vale Meão, o Maria Teresa e o Vinha da Ponte, da Quinta do Crasto, e mais um ou outro rótulo. “Portugal tem várias outras marcas que podem levar o país a um outro patamar. São vinhos que ainda não atingiram a notoriedade internacional, mas este caminho está sendo feito”, conclui Martins. E esta história começa a ter novos capítulos.

 

suzana barelli coluna sonoma market
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.

Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.

 

 

 

 

 

Suzana Barelli

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