Além da polêmica em Saint-Émilion, entenda o sistema de ranking dos vinhos bordaleses.
Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market
No final de 2021, os Châteaux Cheval Blanc e Ausone, os dois de Saint-Émilion, em Bordeaux, surpreenderam o mundo do vinho ao declarar que não participariam mais da classificação dos rótulos desta nobre sub-região francesa. Explica-se: as duas vinícolas, classificadas como Premier Grand Cru Classé A, que é o topo da pirâmide, decidiram não se inscrever para a próxima revisão deste ranking, que acontece agora em 2022. No início deste ano, foi a vez do Château Angélus anunciar também a sua saída desta classificação, criada em 1954 e revista a cada dez anos.
A saída dos três châteaux mostra um descontentamento com as regras desta classificação, que tem um ranking para definir os vinhos de melhor qualidade e, consequentemente, os seus preços. A crítica dos produtores é que a classificação passou a valorizar mais o marketing e o enoturismo, deixando em segundo plano a qualidade dos vinhos e, principalmente, o que os franceses valorizam muito, que é a preocupação com o seu terroir.
É certo também que, bem-conceituados, talvez estes châteaux não precisem tanto desta classificação como precisaram no passado e como os seus pares necessitam atualmente, nestes tempos de tantos rótulos disponíveis no mercado. Até a última revisão, realizada em 2012, o Cheval Blanc e o Ausone eram os únicos a ostentar a letra “A” no seu título de Premier Grand Cru Classé, classificação que os Châteaux Angélus e Pavie conquistaram naquela ocasião, e que lhe foi bem útil quando o tema é a valorização do preço de suas garrafas. Pela classificação, há ainda em Saint-Émilion 14 châteaux com o título de Premier Grand Cru Classé e 64 com o de Grand Cru Classé.
As classificações bordalesas, na verdade, nasceram por uma razão comercial, a partir do século 19, e logo conquistaram muito prestígio. A mais famosa é a Classificação Oficial dos Vinhos de Bordeaux, realizada a pedido do imperador Napoleão III para a Exposição Universal de 1855. Na época, ela foi realizada pela Câmara de Comércio de Bordeaux e incluiu 61 châteaux, todos da chamada Margem Esquerda – a polêmica, agora, é com Saint-Émilion, que fica na Margem Direita.
O critério principal da pioneira classificação foi o preço e o prestígio que os vinhos tinham na época. Os quatro melhores châteaux foram classificados como Premier Grand Cru. Três deles tinham seus vinhedos e vinícola no Médoc: o Château Lafite-Rothschild e o Château Latour, em Pauillac; e o Château Margaux, em Margaux. De Graves, veio o Château Haut-Brion.
Até hoje houve uma única mudança desta classificação. Em 1973, o barão Philippe de Rothschild conseguiu reclassificar o seu Château Mouton-Rothschild para Premier Grand Cru Classé. Até então, o vinho era classificado como Dexième (segundo). O barão, de grande trânsito político, não poupou esforços para conseguir o seu objetivo na época. Desde então, não houve mais modificações nesta classificação, por mais que ao longo das décadas surjam boatos de que um ou outro château subirá na classificação.
A Classificação de 1855, ainda, englobou a região de Sauternes e Barsac, ao Sul de Bordeaux. As duas regiões são famosas pelos seus vinhos de sobremesa, muitos atacados pela Botrytis cinérea, a podridão nobre. Também aqui o preço pelo qual as garrafas eram vendidas foi a base para montar o ranking da classificação. Há apenas três categorias. A mais alta é Premier Grand Cru Superior, título conferido apenas ao mítico Château D’Yquem. Em seguida, vem 11 châteaux, classificados como Premier Cru, e 14, como Deuxième.
Foi o sucesso desta classificação que levou os franceses a replicarem rankings para outras sub-regiões. Há o prestígio conferido aos rótulos classificados nas categorias mais altas e o sistema ajuda o comércio na precificação dos vinhos e os consumidores a terem uma ideia do patamar de qualidade dos rótulos. Com exceção da pioneira de 1855, as demais classificações são revisadas em períodos definidos até porque a qualidade do vinho muda ao longo de sua história, seja no ganho de complexidade, seja com problemas particulares do château.
A segunda classificação surgiu em 1932 para os Crus Bourgeois. Aqui são tintos de qualidade de oito denominações do Médoc, na Margem Esquerda. O Crus Bourgeois existe em Médoc, Haut-Médoc, Listrac, Moulis, Margaux, St Julian, Pauillac e St. Estéphe. Desde 2010, a relação dos crus bourgeois é publicada anualmente e a classificação é regulada por seus pares.
Em 1953, foi a vez da sub-região de Graves criar a sua classificação. Ela inclui 16 crus, com 7 tintos, 3 brancos e 6 vinícolas que elaboram tanto tintos e brancos. Com a classificação, o Château Haut-Brion se tornou o único com duas classificações, a de 1855 e a da sua região. No ano seguinte, surgiu a classificação de Saint- Émilion.
A última classificação surgiu em 1989. É a dos Cru Artisans du Medoc, que confere qualidade aos vinhos de pequenos proprietários das oito denominações do Médoc. Atualmente, 36 vinícolas são classificadas. Os vinhedos devem ter de um a cinco hectares e a classificação é revista a cada cinco anos.
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.