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Como eu escolho os vinhos para a Páscoa, por Suzana Barelli

Os meus critérios para escolher os vinhos para combinar com o bacalhau e o ovo de chocolate

Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market

Os meus vinhos para o domingo de Páscoa já estão escolhidos. Nem sempre eu sou tão planejada assim, mas abri minha adega na semana passada e um vinho branco elaborado com a uva Encruzado me chamou atenção. Ao pegar a garrafa, já pensei na tradicional receita de Páscoa da nossa família (acho que cada família que tem um português entre seus parentes, tem a sua receita, e aqui não é diferente). Salivei, claro, e separei a garrafa para a ocasião.

De todos os casamentos gastronômicos, eu acho que a Encruzado, uva branca da região do Dão, está entre as três que melhor combinam com o bacalhau. Ela tem a mesma textura do pescado e também o mesmo “peso” da nossa receita que leva muito azeite, batatas, cebolas e pimentões. Para mim, as outras duas variedades que casam bem com o bacalhau são a Chardonnay, quando cultivada em climas mais frios, com uma sábia passagem em barricas de madeira, e que resultam em brancos de boa textura e tensão no paladar. A terceira opção são os brancos do norte de Portugal, principalmente da região do Douro, elaborados com um blend de variedades como Rabigato, Gouveio e Viosinho (entre outras) e com passagem em barricas de carvalho.

E já que estava na adega, comecei a percorrer as prateleiras para definir o vinhos do menu completo do próximo domingo. Com a receita do bacalhau na memória, comecei a pensar no que servir na entrada. Em casa, temos o costume de fazer apenas uma grande salada já nem todos estão com fome – por aqui, os adultos avançam nos ovos de Páscoa das crianças, que nem sempre percebem, tamanha a empolgação infantil com a caça ao tesouro. Sim, mesmo com as crianças crescendo, eu vou fazer pistas para elas acharem seus ovos. Assim, selecionei um espumante também português, da região de Tavora-Varossa, elaborado pelo método clássico, de segunda fermentação na garrafa e com borbulhas mais sofisticadas. Mas poderia ser também um espumante da Bairrada, região vizinha ao Dão, que têm vários bons exemplos.

Para quem não vai nas saladas, caprichadas para a ocasião, o espumante também funciona muito bem como entrada. Gosto das borbulhas com as frituras, e quer entrada melhor do que bolinho de bacalhau ou de queijo nesta data? As borbulhas têm a capacidade de envolver a gordura da fritura, criando uma agradável harmonização. E se você não está nas vibrações portuguesas, vale abrir um bom espumante brasileiro.

Aproveitei também para escolher um tinto, mas não português para o prato principal. Tem a sua verdade a brincadeira portuguesa de que bacalhau não é peixe, é bacalhau e por isso pode harmonizar com vinhos tintos. A carne deste pescado tem a estrutura para combinar com vinhos tintos, mas deve-se ter cuidado com os taninos (o que dá a adstringência na boca). Vinhos com muitos taninos – do Tannat, que tem seu nome exatamente por isso, e também de outras uvas que dão origem a tintos mais estruturados, como um Cabernet Sauvignon, um Syrah ou um Petit Verdot, tendem a “brigar” com peixe no paladar, causando uma sensação metálica. O caminho são os tintos com poucos taninos, do qual a uva Pinot Noir é o melhor exemplo. A minha escolha foi para um Pinot Noir do sul do Chile, região em que a uva vem conquistando bons resultados.

Sei que tem casas que preferem um cordeiro para o domingo e que já comeram o bacalhau na sexta-feira santa. Em casa, essa sexta-feira também é dia de peixe, provavelmente uma pescada ao forno, e eu devo ir com um branco, mas um rosé bem fresco também poderia ser uma boa opção. Mas acabei escolhendo um Chablis, o vinho branco do norte da Borgonha, que parece que foi descoberto pelos brasileiros nesta pandemia – é incrível como cresceu por aqui a procura por estes brancos sem passagem em madeira e com um toque mineral característico pelo seu solo, que um dia foi mar.

Se esta é sua opção de menu, as dicas dos vinhos para o bacalhau continuam válidas, e eu iria para a combinação clássica de cordeiro com Cabernet Sauvignon. É um casamento que sempre funciona e não falta opção de bons tintos elaborados ou 100% com a Cabernet Sauvignon ou do chamado corte bordalês.

O passo seguinte foi escolher o vinho para o chocolate. E aqui ainda estou na dúvida se vou abrir um vinho do Porto para me fazer companhia enquanto as crianças se divertem com os ovos de Páscoa ou se vou optar por um Porto para acompanhar o chocolate – o coelhinho já me contou que vai me dar um ovo mais crocante.

Confesso que estou tendendo para a primeira opção, de abrir um Porto e ficar curtindo o vinho no final da tarde. Gosto bastante desta ideia de vinho de contemplação, sabendo que um amigo ou um vizinho pode aparecer em casa para uma conversa. Isso me levou a um LBV 2011, de um bom produtor. LBV é a sigla de Late Bottled Vintage, um Porto do estilo ruby, elaborado com uvas de um único ano e que permanece em madeira entre quatro a seis anos.

Mas aproveitar a tarde para testar as harmonizações é também um convite que me atraí. Quando o chocolate tem estas notas de frutas secas, eu gosto muito do Tawny, aquele estilo de Porto mais oxidativo, com indicação de idade. Os bons Tawnies 10 anos já cumprem bem a função de harmonizar com o chocolate: tem a estrutura para casar com o doce e também o teor do doçura. E foi um 10 anos que eu escolhi. Uma regra que tendo a respeitar na harmonização é que a doçura do vinho deve ser igual ou maior do que a do doce, caso contrário a comida passa por cima, deixando o vinho muito sem graça. Confesso que nem sempre sigo todas as regras de harmonização e gosto de estar aberta para as experiências enogastronômicas, mas esta da doçura eu raramente desobedeço.

Enquanto não defino, as duas garrafas de Porto já estão separadas. E Feliz Páscoa!

Conheça a seleção especial de vinhos para a Páscoa da curadoria do Sonoma Market!

suzana barelli coluna sonoma market
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.

Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.

 

Suzana Barelli

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