Com a previsão de ter a sua segunda DO em 2022, entenda quais as indicações geográficas brasileiras
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Na rota das Denominações de Origem brasileiras, por Suzana Barelli

Com a previsão de ter a sua segunda DO em 2022, entenda quais as indicações geográficas brasileiras

Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market

No cronograma da Embrapa Uva e Vinho, a região gaúcha de Altos de Pinto Bandeira deve ser a segunda Denominação de Origem (DO) brasileira em vinhos, em título conferido provavelmente ainda este ano. “Estamos todos na expectativa. A DO trará uma maior identidade aos nossos espumantes”, afirma Hermínio Ficagna, diretor superintendente da Vinícola Aurora, que tem vinhedos nesta região. Por enquanto, a única DO de vinhos no Brasil é a da Vale dos Vinhedos, que completa dez anos agora em 2022. Há, ainda, sete Indicações de Procedências (IP) em funcionamento no Brasil, Campanha Gaúcha, Altos Montes, Farroupilha, Monte Belo e Pinto Bandeira, no Rio Grande do Sul, e Vales da Uva Goethe e Vinhos de Altitude, em Santa Catarina.

“As indicações de procedência são uma maneira de diferenciar os produtos e agregar valor e imagem a eles”, afirma Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, que coordena os processos das regiões obterem as suas indicações de procedência. As Indicações de Procedência (IP) são divididas em duas: as Denominações de Origem (DO), de regras mais restritivas, e as Indicações Geográficas (IG), de regras mais gerais. Não raro, uma IG vai afinando as suas regras em direção a uma DO. É o caminho esperado.

“A IG trouxe maior visibilidade para os vinhos da Campanha Gaúcha, despertou o interesse do consumidor. Quando estivermos por um caminho mais trilhado, certamente partiremos para uma DO”, afirma Valter Potter, da vinícola Guatambu, e presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha. Um exemplo é que a IG da Campanha Gaúcha foi aprovada no ano de 2020, e as 18 vinícolas que aderiram à indicação podem elaborar vinhos com 36 uvas diferentes. A previsão é que, com o tempo, os produtores irão descobrindo quais destas mais de 30 uvas trazem realmente a tipicidade para a região e passem a apostar em regras mais restritas para uma DO, que expressem mais a vocação local.

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A região da Campanha Gaúcha, nos pampas.

Tonietto conta que além da DO e das IPs já aprovadas, há outras regiões brasileiras interessadas em obter estas indicações, como forma de elaborar uma bebida com tipicidade e, também, com qualidade. Além de Altos de Pinto Bandeira, a Embrapa trabalha atualmente para criar uma Indicação Geográfica no Vale do São Francisco, na divisa entre Bahia e Pernambuco, e tem sondagens para uma IG dos Vinhos de Inverno, na região da Serra da Mantiqueira, entre São Paulo e Minas Gerais.

Vale destacar, no entanto, que um vinho com o selo da indicação de procedência não é necessariamente de qualidade. As IPs indicam que aquele vinho seguiu várias regras de elaboração, desde a origem de suas uvas, o rendimento das videiras até a maneira de elaboração, e que são degustados por uma comissão, que atesta a sua tipicidade. Mas isso não é, necessariamente, sinônimo de qualidade.

Na futura DO gaúcha, a primeira válida apenas para espumantes, por exemplo, serão permitidos apenas a elaboração da bebida com as variedades Chardonnay, Riesling Itálico (estas duas brancas) e a tinta Pinot Noir, cultivados numa área a 700 metros de altitude em relação ao nível do mar. Entre os requisitos necessários, que vão conferir a tipicidade aos vinhos, está a obrigatoriedade de realizar a segunda fermentação, aquela que dá origem às borbulhas, apenas o método tradicional, que acontece nas garrafas e não em tanques. O tempo mínimo em que as leveduras ficam em contato com o vinho deve ser de 12 meses, e a prensagem deve ser realizada exclusivamente com uvas não desengaçadas. “Sabemos que a região tem uma identidade própria, de clima e solo únicos e que resultam em um produto diferenciado”, afirma Ficagna, da Aurora.

Os pré-requisitos acima são regras já utilizadas nos espumantes de qualidade. Champanhe, Cava e Franciacorta, por exemplo, só podem ser elaborados pelo método tradicional, também chamado de clássico ou champenoise, com esta segunda fermentação em garrafas. Em Champanhe, ainda, o tempo que a levedura deve ficar em contato com a bebida é de 15 meses; em Cava, de 9 meses. Sabe-se que o maior tempo de contato entre as leveduras, ou o que restou dela, e o líquido vai conferindo complexidade aos espumantes. E há espumantes brasileiros conhecidos pelo longo período de autólise (como é chamado este processo). O mais famoso é o da Cave Geisse, vinícola pioneira em apostar em um longo período de autólise, ainda no ano de 1988.

Se a qualidade não é garantida por uma IP ou uma DO, ao menos é maior a chance de um produtor que siga as regras consiga elaborar um vinho melhor. Um dos pontos é a origem da uva, que obrigatoriamente deve ser da região. Adriano Miolo, diretor superintendente do Grupo Miolo, acredita que, se não fosse a DO, as vinícolas do Vale dos Vinhedos não teriam chegado ao patamar de qualidade dos seus vinhos. “A DO nos obrigou a elaborarmos vinhos diferenciados, a melhorar nossos vinhedos, nossa vinificação”, lembra ele. E acrescenta: “Vinte e cinco anos atrás, quando começamos a pensar na DO, a discussão ainda era se nossos vinhedos tinham de ser em latada ou em espaldeira.” Hoje, sabe-se que a latada (ou parreral, com as uvas conduzidas no alto) favorece a superprodução e a proliferação de fungos e bactérias. Um exemplo é que a Prefeitura de Bento Gonçalves lançou, no final do ano passado, um plano de ajuda ao pequeno produtor que queira reconverter os seus vinhedos para espaldeira.

Sobre a DO ter regras mais restritivas, o que já levou produtores europeus a abandonarem as indicações, Adriano Miolo não considera um problema ou uma restrição a sua criatividade enológica. O vinho Lote 43, um dos cartões postais da Miolo, por exemplo, passou por uma mudança de conceito para se adequar à DO. Explica-se: as regras estipulam que os tintos devem ter ao menos 60% de Merlot, variedade entendida como a que melhor se adaptou à região. Mas em suas primeiras safras o Lote 43 era elaborado em partes iguais entre Merlot e Cabernet Sauvignon “Fizemos um ajuste neste blend”, afirma ele.

Outro exemplo é que só recentemente os espumantes gaúchos da Miolo passaram a ter o selo da DO no rótulo. Foi preciso primeiro cultivar vinhedos de Pinot Noir na Campanha, que hoje dão origem aos tintos que a Miolo elabora com a variedade. E, assim, poder utilizar toda a Pinot Noir do Vale dos Vinhedos para os espumantes. “Não são regras que nos engessam, são regras que nos permitem elaborar vinhos de qualidade”, conclui Miolo.

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Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.

Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.

Suzana Barelli

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