O que você deve saber para dar os primeiros passos em Bordeaux, a mais famosa região francesa de vinhos.
Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market
Tenho claro na memória a primeira vez que entrei em uma loja de vinhos em Saint-Émilion. Era a minha estreia em Bordeaux e a primeira parada foi neste vilarejo medieval, de muitas igrejas e hoje patrimônio da humanidade pela Unesco.
No passeio por suas ruelas de pedra do centro histórico, me deparei com uma loja de vinhos. Entrei boquiaberta com a quantidade de rótulos, que então só conhecia pela literatura. Olhei um por um, sob a atenção de um cavista que também parecia não saber muito como abordar uma turista que pouco dominava a sua língua.
A timidez (sim, ela aparece às vezes) não me deixou fazer perguntas. Também me faltou coragem para comprar uma garrafa. Nesta primeira cave, deixei de lado a regrinha básica de um viajante em terra de vinho. Sempre converse com o cavista, mostre interesse, pergunte e, na certa, você vai sair com uma boa garrafa para contar a história.
Ele pode ser o seu guia para começar a decifrar uma região como Bordeaux, de incontáveis rótulos e nem todos com a fama e a qualidade dos seus Grand Cru Classes. Sim, porque Bordeaux tem vinhos caríssimos, renomados e longevos, mas também tem rótulos simples, de bom custo-benefício para quem souber lapidá-los e, como toda região, tem também seus vinhos medíocres – aqui vale lembrar que Bordeaux está entre os grandes produtores, em volume, de vinho francês, com 120 mil hectares de vinhedos.
O mapa desta região ao sudoeste da França é o primeiro aliado a dar pistas de onde procurar vinhos mais acessíveis. A geografia local é marcada por dois rios, o Dordogne e o Garonne, que desaguam no estuário do Gironde. De um lado está a margem esquerda, do famoso Médoc, onde estão os vinhos da Classificação de 1855, pioneira em atestar a qualidade dos rótulos bordaleses.
Pauillac, dos châteaux Lafite e Mouton Rothschild, está aí, assim como Margaux, Saint-Julien e Saint-Estéphe. Na margem direita, estão Saint-Émilion e Pomerol, também não menos conhecidas, com seus châteaux como Cheval Blanc e Petrus. Mas o mapa mostra também, sem todos os adjetivos das duas margens, a região de Entre-Deux-Mers, que significa entre dois mares, no caso, entre os dois rios.
Conhecida no passado pelos seus vinhos brancos e secos, Entre-Deux-Mers atualmente elabora também bons tintos, com as AOCs regionais Bordeaux e Bordeaux Superieur – AOC é a sigla para apelação de origem controlada, como as denominações de origem são chamadas na França. Em sua grande maioria são tintos com a Merlot como uva principal, que resulta em rótulos mais macios do que os elaborados com a Cabernet Sauvignon. Mais, são pensados por seus produtores para o consumo mais imediato, sem a vocação de envelhecer por anos a fio.
Aqui, um parêntese: é bom saber que a Merlot é a variedade mais cultivada em Bordeaux, por mais que a Cabernet Sauvignon seja a mais conhecida e valorizada.
Outra pista que vem do mapa são as denominações de Blaye e Bourg, também na margem direita, mas sem o reconhecimento de seus vizinhos mais badalados. Como fama também reajusta preços, as regiões satélites de Bordeaux devem ficar na mira de quem quer começar a degustar os tintos locais sem pagar uma fortuna.
Além das AOC mais conhecidas, Bordeaux tem outras 50 apelações de origem, que seguem os critérios de regular sua produção, seja garantindo a origem das uvas e quais as suas variedades, o volume de produção, entre outros pontos. A única coisa que a AOC não garante – e isso vale para todas as denominações de origem – é a qualidade do vinho. Isso cabe sempre ao produtor.
Seguindo ao mapa ao sul da cidade de Bordeaux, estão Pessac-Léognan e Graves e, depois, Sauternes, a meca dos grandes vinhos doces, aqueles com perfeito equilíbrio entre acidez e doçura. Se Sauternes é a morada do mítico Château D´Yquem, Barzac está ao lado deste vizinho badalado e, cruzando o rio e entrando em Entre-Deux-Mers, está Saint-Croix-du-Mont, também dos vinhos doces.
Outro ponto importante é lembrar sempre que Bordeaux é uma terra de blend. Merlot e Cabernet Sauvignon são as uvas principais e mais conhecidas nos tintos – nos brancos, a assemblagem é entre a Sémillon e a Sauvignon Blanc (há também a Muscadelle, em menor quantidade, principalmente para os vinhos doces) –, mas não são as únicas.
Cabernet Franc, Petit Verdot e também a Malbec e a Carménère formam, junto com as duas uvas principais, o corte bordalês. E se a filosofia local é de vinhos que ganham complexidade com esta mescla, nada de sair por aí comprando aquela garrafa que destaca o nome de uma única variedade no rótulo.
Mas o que eu aprendi a prestar muita atenção é na expressão mis en bouleille au chateau (ou mis en bouleille a la propriété) quando dava os primeiros passos nesta região. A frase que indica que o vinho foi engarrafado na propriedade é o ponto que mostra que o produtor acredita no seu vinho. São as características da região que ajuda a não se perder – muito – nas prateleiras, reais ou virtuais, de vinhos.
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Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.