Por Suzana Barelli
A última edição do leilão do Hospice de Beaune, realizado no final de novembro, na Borgonha, França, é uma fotografia muito precisa do atual momento do mercado de vinhos europeu.
Primeiro pela pequeníssima quantidade de barricas leiloadas, reflexo direto das geadas do último mês de abril, que reduziram sensivelmente a produção das vinhas nesta safra. Nesta sua 161ª edição, a primeira organizada pela casa londrina Sotheby’s, foram leiloados apenas 362 lotes. No ano passado, já com todos os problemas do covid, foram 638 lotes, quase o dobro das barricas.
O segundo ponto é o valor arrecadado: 12,5 milhões de euros, montante muito perto do recorde de 13,4 milhões de euros, registrado em 2020. “Não aconselho degustar os vinhos de 2021. Eles estão muito bons e quem prova, compra, mesmo com o valor muito mais alto”, brinca Alaor Lino, da Anima Vinum, que tradicionalmente compra vinhos neste leilão. “A verdade é que a produção pequena levou os preços às alturas. Não havia vinhos para todos os interessados neste leilão”, acrescenta ele.
O maior exemplo foi o lote premium, chamado de Pièce des Presidents, uma barrica de 228 litros. O martelo foi batido no lance de 902 mil euros, dado pelo representante da Oeno Group, empresa londrina de investimento em vinho.
No ano passado, a pièce foi vendida por 660 mil euros. Em média, em 2021 em comparação com o ano anterior, os preços dos vinhos brancos subiram 100% e o dos tintos tiveram uma alta de 60% neste leilão de características únicas.
O perfil particular do Hospice de Beaune data de sua origem, no distante ano de 1443. Ao longo dos séculos seguintes, o Hospice de Beaune, uma espécie de Santa Casa de Misericória, passou a receber vinhedos como doação – a primeira vinha presenteada veio em 1457, mas até hoje testamentos são abertos e descobre-se vinhas destinadas à instituição. Nada mais típico para um hospital fundado no coração da Borgonha.
O fato é que não tardou para o hospital decidir elaborar seus próprios vinhos, que são leiloados logo depois de irem para as barricas, se tornando, assim, um bom termômetro dos vinhos de cada safra, e indicar importante nesta safra em particular.
Até hoje, a vinícola do hospice, liderada pela competente Ludivine Griveau, cuida dos 60 e pouco hectares de vinhedos e da fermentação dos brancos e tintos. Ludivine se despede dos vinhos no leilão, que acontece sempre em novembro, quando os vinhos acabaram de ser colocados em barricas. Cabe a cada comprador cuidar deste amadurecimento dos brancos e dos tintos, do seu engarrafamento e de sua venda.
A alta dos preços e a escassez das garrafas, no entanto, não é uma exclusividade deste leilão. Muito pelo contrário: o mais recente relatório da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV) alertou para a “risco eminente” de escassez de vinho no mundo. A fala de Pau Roca, diretor-geral da OIV, assustou e chama atenção para o impacto das recentes alterações climáticas na produção de vinhos.
Neste ano, a “culpa” recaiu na forte geada que atingiu a França no primeiro semestre, quando as vinhas começavam a dar os seus primeiros brotos. A queda drástica de temperatura foi capaz de reduzir sensivelmente a produção europeia. Itália e Espanha, que junto com a França são os três maiores produtores de vinho no mundo, também tiveram quedas significativas de produção pela mesmíssima razão.
“Será o terceiro ano consecutivo em que a produção global ficará baixo da média”, afirmou o executivo, durante a apresentação.
O resultado é que a União Europeia registra neste ano, no primeiro relatório da OIV, uma queda de 13% no volume de vinho. Serão 145 milhões de hectolitros, com uma redução de 9% na produção italiana; uma queda de 14% na espanhola e assustadores 27% de diminuição do volume francês.
Outros países europeus, como Áustria Grécia e Croácia, também registram queda no volume produzido. Por outro lado, Alemanha, Hungria e Portugal apresentam uma pequena alta de produção, de respectivamente 4%, 6% e 1%, de acordo com a OIV.
Foram estes dados que acenderam o alerta de que poderá faltar vinho no mundo. Mas na verdade o que está acontecendo é uma procura enorme por estes rótulos mais clássicos, de regiões e vinícolas tradicionais no mundo de Baco. Relatório recente da Liv-ex, por exemplo, aponta que um dos efeitos, digamos, colateral da Covid, foi o aumento da procura pelos rótulos mais clássicos e consequentemente um reajuste para cima de seus preços.
Definida como um marketplace global do mercado de vinhos, que acompanha o preço de venda das garrafas mundo afora, a Liv-ex tem índices como o Liv-ex 1000, que acompanha os preços dos vinhos mais cobiçados do mundo. Apenas este índice registra uma alta de 2,4% em novembro, e ele vem subindo consistentemente há 18 meses.
Na análise da instituição, esta valorização sugere que os compradores estão voltando aos clássicos, o que indica que não haverá garrafas para todos os interessados. Mas isso apenas no topo da pirâmide dos vinhos.
A queda de produção europeia será compensada pela produção maior no Hemisfério Sul, como América do Sul. África do Sul, Austrália – apenas a Nova Zelândia registrou queda. Nos Estados Unidos, a produção deve chegar a 24 milhões de hectolitros, um alta de 6% em relação ao ano passado.
Mas a comparação aqui é comprometida: em 2020, a produção norte-americana registrou queda significativa devido aos incêndios florestais e os aromas de fumaça, que chegaram aos vinhos. E este é outra consequência das mudanças climáticas.
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.