A gaúcha Mônica Rosetti é um exemplo de enóloga que tem seu trabalho consolidado no exterior.
Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma
A gaúcha Mônica Rossetti é o nome mais visível de um ainda pequeno grupo de enólogos brasileiros que decidiu se especializar no exterior. Morando oficialmente na Itália desde 2017, nesse início de ano, além de vir visitar a família gaúcha e aproveitar para trabalhar um pouquinho nos vinhedos do Rio Grande do Sul, ela deu um passo maior em sua carreira: apresentou os seus primeiros vinhos italianos, da Fattoria di Petrognano, que começam a ser importados para o Brasil.
São quatro vinhos, dois Chiantis, o Superiore e o Riserva 2017, e dois elaborados em pequenos vasos de terracota, semelhantes às ânforas. É um branco, feito com a Trebbiano, e um tinto, com a Sangiovese. A cidade de Montelupo Fiorentino, onde está a vinícola, é considerada a terra da cerâmica na Toscana. Lá, os pequenos vasos de terracota são chamados de Orci, que é como estes vinhos de pequena produção foram batizados.
Os tintos, principalmente, e os brancos nascem em 25 hectares de vinhedos, de propriedade de mais de 80 hectares do italiano Emanuele Pellegrini, esposo de Mônica. Aqui, vale frisar que a jovem enóloga chegou ao projeto por mérito e não por razões familiares.
Desde quando tinha 19 anos, Mônica concilia o trabalho de enóloga no Brasil com ao menos um estágio ou uma colheita por ano na Itália. Ela aproveita que, no Hemisfério Norte, a safra acontece no segundo semestre do ano; e por aqui, no primeiro. Assim, aos 38 anos, se prepara para a sua 39ª safra, uma vantagem e tanto já que a maioria dos seus pares participa apenas de uma safra por ano.
No Brasil, até se mudar para a Itália em 2017, ela foi a principal enóloga da vinícola boutique Lidio Carraro, projeto que começou no início dos anos 2000, se especializando por vinhos sem passagem em barrica. Lá, liderou projetos como o vinho Faces, elaborado especialmente para a Copa do Mundo e, dois anos depois, para a Olimpíada, no Brasil. “Tenho orgulho de ter participado do início do sonho por um vinho brasileiro de qualidade”, conta ela.
Na Itália, Mônica focou no trabalho com a viticultura de precisão, técnica que procura conhecer cada parcela do vinhedo, por estudos de solo e clima, com análise do terreno. E, a partir destas informações, definir as melhores técnicas de cultivo e colheita. “A Sangiovese tem muito humor e muda de característica conforme o seu plantio”, afirmou. Ao longo dos anos, Mônica foi prestando consultoria para diversas vinícolas, principalmente no norte da Itália. Orgulha-se, principalmente, de um projeto para o grupo Lunelli, no Brasil conhecido pelos espumantes Ferrari, hoje a marca oficial das corridas de Fórmula 1. Atualmente, além da Fattoria, ela tem uma empresa que leva o seu nome e dá diversas consultorias.
Na Fattoria, ela trabalha com Emmanuele no conceito de resgatar a história do vinho italiano. Desde que ele, da quarta geração, herdou a vinícola familiar, faz um trabalho de valorizar as variedades locais. Primeiro, deixou de trabalhar com uvas internacionais, que foram plantadas por seu avô, e focou nas variedades típicas da Toscana. Atualmente, são 17 hectares de Sangiovese; e além de dois hectares de Trebbiano, a uva branca local. “É uma variedade com potencial de vinhos incríveis”, afirma. Só foram deixados nos vinhedos dois hectares de Syrah e Merlot, que são vinhas antigas e de pequena produção.
No Brasil, Mônica hoje trabalha no projeto Manus Vinha e Vinhos, dos irmãos Bertolini. São vinhas cultivadas em Encruzilhada do Sul (RS) e vinhos de pequena produção. Entre as variedades estão a Teroldego, a Pinot Noir e a Chardonnay. “Acompanhei muito o trabalho da Mônica nos projetos de exportação do vinho brasileiro e sempre gostei do seu profissionalismo”, destaca Diego Bertolini. Na época, Bertolini trabalhava no Ibravin, órgão de promoção do vinho brasileiro, e a Lidio Carraro participava fortemente dos projetos e das caravanas para a exportação dos brancos e tintos nacionais.
Além de Mônica, há exemplos como outros brasileiros que apostam no enriquecimento do aprendizado internacional. Uma delas é a Marina Santos, da também gaúcha Vinha Unna. Adepta e divulgadora da filosofia biodinâmica, ela atualmente está na região do Jura, na França.
Outro exemplo é James Carl, que no Brasil tem os vinhos da Negroponte, e já está em sua 12ª safra, exatamente por fazer duas colheitas por ano, uma aqui e outra na Europa. Apaixonado por Pinot Noir, ele chegou na Borgonha no ano passado para estudar exatamente esta variedade na universidade local e já fez estágios em duas vinícolas francesas. “Na França, aprendi a trabalhar a Pinot Noir com muito mais carinho. Quando a gente entende o espírito da Pinot, conseguimos fazer um vinho lindo”, conta ele.
Do seu aprendizado, ele conta que os enólogos franceses usam muito mais madeira na vinificação e no amadurecimento das uvas. “Estou aprendendo novos jeitos de vinificar. Na Borgonha, a colheita é mais disciplinada e os maquinários são de outro mundo”, destaca ele. É um aprendizado que ele leva para o Brasil, com os seus três rótulos de Pinot Noir, como o Urubu Pitanga.
Depois de trabalhar no enoturismo na Cave Geisse, no Vale dos Vinhedos, o gaúcho Ranier de Souza Velho decidiu ter uma experiência profissional em outro país. Hoje ele trabalha novamente com a família Geisse, mas em seu projeto chileno. “Um enólogo formado no Brasil precisa romper as barreiras e o preconceito, se destacar e inovar em um mercado bastante tradicional, como é o Chile”, conta ele. No país andino há quase cinco anos, ele vive na região de Colchagua.
O enólogo Mario Geisse, fundador das duas vinícolas, a brasileira e a chilena, fez esta viagem em sentido contrário. Na década de 1970, ele trocou o Chile pelo Brasil para implementar o projeto da francesa Chandon no Vale dos Vinhedos. Sem saber, começou a escrever uma história de pioneirismo entre os espumantes brasileiros. Desde lado, há outros exemplos, como o francês Philippe Mével, que hoje pilota o projeto da Chandon do Brasil. Mas o mais empolgado com os vinhos brasileiros é o português Miguel Almeida, que trabalha na Vinícola Miolo. Começou como estagiário e hoje lidera a enologia da vinícola. Mas esta é uma outra história.
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.