O vinho em lata começou a ganhar evidência no Brasil em 2019 com a aposta de uma bebida de consumo mais descompromissado. Em embalagens bonitas com mensagens para o público jovem, ele parecia que iria revolucionar o mercado e trazer estes consumidores para o mundo de Baco.
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Vinho em lata: tendência ou modismo?, por Suzana Barelli

Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market

O vinho em lata começou a ganhar evidência no Brasil em 2019 com a aposta de uma bebida de consumo mais descompromissado. Em embalagens bonitas com mensagens para o público jovem, ele parecia que iria revolucionar o mercado e trazer estes consumidores para o mundo de Baco. Mas a chegada do Covid, quando o produto começava a ser mais conhecido, atrapalhou – ou ao menos adiou – um pouco esta história de um vinho envasado em lata e com a proposta de consumo em festas, praias, piscinas e baladas.

“Sabíamos que era um produto para trazer pluralidade de consumo”, conta Karene Vilela, diretora geral da importadora Portus, uma das primeiras a colocar as latinhas em seu portfolio. Antenada com o que acontece no exterior, Karene vinha acompanhando o crescimento da categoria, com destaque para o mercado norte-americano, e decidiu apostar nesta tendência. “É um produto de nicho, mas que tem o seu espaço”, acrescenta ela. Há um estudo da consultoria inglesa Wine Intelligence de que a venda das latinhas deve chegar a US$ 4,5 bilhões em 2025 apenas nos Estados Unidos.

Com a pandemia, o seu consumo não explodiu por aqui como um modismo de verão. As previsões otimistas apostavam que a lata seria a bebida do carnaval de 2020, com o vinho geladinho que acompanharia os bloquinhos de rua. Mas este período de quarentena serviu para depurar o mercado e facilitar o acesso à bebida, hoje disponível em diversos pontos de venda. A pandemia também reduziu sensivelmente a presença de latinhas importadas no mercado brasileiro, não por causa do vírus, mas porque a desvalorização do real frente ao dólar inviabilizou economicamente a importação para cá de várias das marcas que faziam sucesso no exterior.

Por outro lado, este tempo abriu espaço para que a indústria brasileira desenvolvesse a categoria. Atualmente, há vinícolas nacionais que envazam o vinho para diversos clientes. E a oferta de marcas é enorme, também em brancos, tintos e rosés como nos frisantes. A vinícola Miolo, por exemplo, faz o Somm para a Ambev. O enólogo Alejandro Cardoso, com a sua consultoria EBV, trabalha com mais de dez marcas como a W Wine, a Red Wine e a Yoo, além do espumante, também em lata, da gaúcha Guatambu. além do espumante, também em lata, da gaúcha Guatambu. “Entramos por ser um projeto inovador e uma tendência mundial”, conta Gabriela Potter, diretora da Guatambu, que lançou suas primeiras latas no ano passado.

Este período também foi propício para que a indústria aprendesse a envazar o produto. Entre o alumínio e o líquido, há uma película protetora dentro da lata que evita a oxidação. Pela acidez da bebida, não é indicado deixar o vinho em contato direto com o alumínio. “Eu não elaboro um vinho especial para a lata, mas seu envase requer cuidados”, afirma o enólogo Alejandro Cardozo.

Em suas consultorias, Cardozo, um uruguaio que se apaixonou pelo Brasil, diz não distinguir se o vinho vai para a garrafa ou para lata. “Este é um conceito errado. Tem de ser o vinho justo para aquela proposta e aquele preço”, afirma ele. Opinião semelhante tem o sommelier Diego Arrebola, que também se lançou na aventura da lata com a marca Arya no final da década passada. Ele conta que desde que entrou no mundo do vinho, em 2004, apreciava a proposta da bebida. “Sempre achei a lata uma tremenda sacada para facilitar e impulsionar o consumo de vinho”, conta ele. Mas esbarrava na qualidade dos vinhos, sempre baixa, com raríssimas exceções.

Em 2019, a DistillRuptove o procurou para desenvolver um novo projeto para esta embalagem, e ele teve a oportunidade de fazer um vinho em lata como achava que deveria ser. “Nosso ponto é que elaboramos um vinho. A lata é apenas o recipiente de envase”, acrescenta. O melhor exemplo é que, não raro, ele degusta a sua linha de vinhos em taças e não direto na latinha. “O vinho deve ser rico e fresco em boca, com intensidade aromática adequada, fazendo a degustação direta na lata uma experiência diferente, mas igualmente agradável”, defende.

E aqui entra a peculiaridade desta categoria. Se nos brancos e tintos, quando servido em taças, os aromas são um importante indício do perfil e da qualidade da bebida, quando consumido direto da lata, é quase impossível analisar as suas notas aromáticas ou o seu visual. “Sendo a lata apenas um recipiente, o cenário ideal é o consumo em taça”, afirma o sommelier Arrebola.

Mas nem sempre isso é possível. Alias, muitas vezes a taça destoa da sua proposta de consumo, que é o direto na latinha, com toda a praticidade de um vinho que não precisa de saca-rolha ou de taças. Aqui, o consumidor deve se preocupar apenas em ter a latinha gelada, a mesma preocupação que tem com a cerveja e que a faz tão popular. Neste consumo, estes vinhos, em geral mais simples, têm o desafio de conquistar o consumidor no sabor, já que o visual e o aromático ficam escondidos com a latinha.

Outro ponto que traz adeptos à latinha é a sustentabilidade, defende a sommelière Jéssica Marinzeck. “Eles têm embalagens mais leves e 100% recicláveis”, destaca ela, também uma pioneira em apostar nestes vinhos. “A gente preza muito a sustentabilidade e as latas vão ao encontro ao respeito com a natureza e cuidado com o meio ambiente”, diz Gabriela, da Guatambu. E este é um ponto de preocupação crescente, principalmente entre os jovens, que são o público alvo das latinhas. Jéssica também não tem dúvidas de que é um produto para um nicho, com algumas marcas mais simples e outras de maior qualidade. Mas se será uma tendência ou um modismo, ainda é cedo para responder.

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Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.

Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.

Suzana Barelli

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