A minha experiência pessoal de escolher os rótulos para a ceia.
Por Suzana Barelli, especial para a Sonoma
O vinho tem um papel central na minha vida e não seria diferente no Natal. Mas antes preciso deixar claro que eu adoro a data, seja o seu sentido religioso, seja o significado, ao menos no meu núcleo familiar, de presentear quem a gente gosta. Mas como o vinho entra nesta história?
Neste ano, o vinho já me acompanhou ao embrulhar os presentes das crianças e do amigo secreto. Mas isso não vale porque eu estou provando espumantes para uma reportagem de final de ano (que jornalista não tem esta pauta em dezembro?) e aproveitei a desculpa para abrir uma garrafa – na verdade, três.
Nos dias 24 e o 25, eu começo mesmo com os espumantes, enquanto arrumo a casa para os convidados. Um espumante brut ou extra-brut, na temperatura correta, ajuda a me inspirar na decoração. Mais a noite, na ceia, o estilo da borbulha vai depender do tamanho da festa.
Eu, particularmente, gosto quando o Natal é ao redor de poucas pessoas – o que, vamos destacar, é o recomendado para este ano. Se a mesa é pequena, vou de champanhe, que eu adoro, ou de um bom espumante italiano. Gosto particularmente de Franciacorta, aqueles espumantes do norte da Itália, elaborados com chardonnay e pinot noir; e a Ferrari, da região de Trento, terra da minha avó paterna, também vem fazendo um ótimo trabalho, além de agora patrocinar a Fórmula 1. Um cava de respeito também já foi a opção em alguns anos e acho até que vai ser neste ano. Um Gramona safrado e o rosé da Raventós, o de Nit, são espumantes espanhóis que já me acompanharam em natais passados.
Se é uma ceia com mais pessoas, daqueles que unem tios, primos, cunhados e demais familiares, eu aposto firme no espumante brasileiro e seleciono garrafas de vários produtores. Acho que nós, formadores de opinião nesta área, temos um papel de catequizar as pessoas com informações relevantes, daquele sobrinho que quer saber mais de vinho para impressionar a namorada à aquela tia que sempre foi fã do espumante docinho.
Nestes casos, ofereço um espumante moscatel, que é sempre a primeira garrafa a acabar, e um brut, que se torna mais interessante depois que eu comento que gosto deste estilo. Em um ano, abri um espumante não filtrado, não me recordo se o Lírica Crua ou o Vértigo, da Pizzato, mas depois lembro que estou escolhendo vinhos também para pessoas não tão acostumadas com o vinho. São familiares que se incomodam com bebidas sem filtrar, como é este estilo de espumante.
Aproveito para elogiar a produção brasileira, contar da nossa vocação para as borbulhas. Deixo claro que o Brasil tem muitos bons espumantes, mas não é porque é brasileiro que é bom. Acredite, degusto muita coisa nacional boa, mas também provo, infelizmente, muita coisa ruim (aqui, não apenas nacionais, mas importados também). E aproveito para explicar que a maior lição para quem quer beber bem é prestar atenção no nome do produtor. Aprendi esta regra para os vinhos da Borgonha, onde não conhecer o produtor é quase uma roleta russa, mas ela vale para o mundo todo.
Os vinhos entram com a ceia posta. Gosto de selecionar brancos mais aromáticos, um sauvignon blanc chileno, um torrontés argentino ou um viognier ou um gewurztraminer, o gewurz para os íntimos. Acho que estes aromas tornam a ceia mais festiva, e as entradas sempre têm um toque agridoce ou aquela uva passa e nozes e até algumas frutas nas receitas. Ao lado destas garrafas, abro um chardonnay ou um encruzado. Em geral, os vinhos elaborados com estas uvas são mais gastronômicos e me atraem. Além disso, um bom chardonnay é sempre um coringa.
Não raro, eu fico só nos brancos. Aqui as receitas principais são sempre a base de ave ou uma carne de porco. O peru é inevitável assim como o pernil, que no meu Natal são preparados no forno à lenha, e que combinam bem com brancos. Aproveito uma taça do espumante da entrada para harmonizar com o prato principal. Em geral, a gordura da carne “casa” com as borbulhas da receita tornando a combinação bem atrativa.
Claro que também separo um tinto para a ocasião. O ideal são vinhos com menos tanino, do qual o pinot noir é o melhor representante. Raramente seleciono uma garrafa de origem francesa, acho que o pinot noir chileno dá conta do recado com maestria.
Mas percebi, em natais passados, que os meus convidados tendem a simpatizar com rótulos mais estruturados. Assim, não raro, seleciono um tinto elaborado com a malbec ou com a merlot. No primeiro caso, é sempre um rótulo argentino e é um vinho que faz muito sucesso. No merlot, em geral vou, novamente, para o Chile, e, conforme o ano, já coloquei alguns dos bons representantes brasileiros – aqui a lista é longa de bons produtores.
Este ano é capaz de eu selecionar o Desejo, da vinícola Salton. Provei recentemente este tinto, que estava interessante, mesmo com uma nota acima de madeira. Mas como explicou seu enólogo, o Gregório Salton, é a proposta do vinho. E eu sei bem que muitos dos meus convidados gostam deste estilo.
Gosto muito deste tempo de selecionar os vinhos para a ceia, na linha daquele ditado de que o melhor da festa é esperar por ela. De pegar a garrafa na adega, pensar nos convidados e em quem gostaria deste ou daquele vinho. Nestes momentos, penso também que a harmonização não deve ser uma camisa de força, ainda mais em uma data em que o sentido de fraternidade está tão presente.
Claro que algumas regras básicas ajudam a tornar a refeição mais prazerosa, harmônica. A primeira, e desta não abro mão, é o cuidado com a temperatura. Na minha casa não se bebe vinho quente, prefiro gelar demais e esperar que a temperatura suba um pouco na taça, do que perder o encanto da bebida pela temperatura errada.
Nas regras da harmonização, as duas principais, acho eu, é ir em uma escala crescente de complexidade da bebida, do espumante, para o branco, rosé e depois o tinto; e aquela de que pratos mais leves vão casar melhor com vinhos mais leves e as receitas mais potentes vão com os rótulos mais encorpados. Mas não segui-las é uma opção para muitos dos presentes.
Aqui já vi parentes voltarem para os espumantes brut com a sobremesa. Se eles estivessem prestando atenção nesta combinação, certamente sentiriam certo toque metálico no paladar, como acontece com o bolo de casamento e o espumante seco. Assim, fica a dica, mas no Natal, assim como nestas festas de muita alegria, ninguém presta atenção nisso. Vale mais a energia positiva de um brinde do que uma regra de casamento gastronômico.
São raros os vinhos de sobremesa nos meus natais. A mesa fica linda com receitas sempre muito doces, que satisfazem a vontade de açúcar dos presentes. Em geral, a doçura destas receitas vai passar por cima de qualquer vinho, tirando a graça de toda harmonização.
O que eu faço é abrir um vinho do Porto, de um estilo que pode ser um Tawny de mais idade ou um LBV (não me lembro de ter aberto vintages no Natal) para me acompanhar no final da noite. É o meu momento de contemplar o presépio e pensar no significado da data para mim.
Nestes momentos, lembro muito dos meus pais, que não estão mais aqui, mas que me ensinaram a gostar da alegria do Natal. E um bom Porto é sempre uma bebida de contemplação, como pede este momento.
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.