Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma
Uma degustação de safras antigas do Dão, com brancos e tintos elaborados pelo Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, em Nelas, foi o grande destaque de uma das primeiras edições do Essência de Vinho, em Portugal. Era a segunda metade dos 2000, o ano de 2007 ou 2008, e a prova reuniu garrafas do final da década de 1950 em diante. Não à toa foi uma das mais concorridas do evento realizado no pomposo Palácio da Bolsa, na cidade do Porto. A sensação era que os presentes estavam descobrindo – ou, melhor, redescobrindo – que os bons vinhos de Portugal não nascem apenas no Douro e no Alentejo. A longevidade dos tintos, com base na Touriga Nacional, e dos brancos, com a Encruzado, foi o grande assunto nos corredores do evento
Pouco mais de três anos depois, a ViniPortugal promoveu uma degustação histórica, em Lisboa, também com safras antigas, desta vez dos Vinhos Verdes, a região vinícola portuguesa mais ao norte do país. Novamente os presentes se surpreendiam ao descobrir da melhor maneira – na taça – que os brancos elaborados com a uva Alvarinho, a mesma Albariño da vizinha Espanha, têm grande capacidade de envelhecer bem, ganhando complexidade, até por décadas na garrafa.
Mais um ponto para mostrar que Portugal não é só Douro e Alentejo. É fato que as duas regiões são mesmo as mais conhecidas do país. O Douro, por toda a sua tradição do histórico vinho do Porto. Os marcos pombalinos, que definiram a sua região demarcada, datam de 1756. E o Alentejo, que soube replantar rapidamente os seus vinhedos e divulgar os seus vinhos com o fim do domínio de António de Oliveira Salazar, que liderou o chamado Estado Novo no período de 1933 a 1974. O ditador tentou transformar a região no celeiro do país, ordenando que as vinhas fossem arrancadas. As imensas planícies alentejanas eram consideradas promissoras para a produção de grãos e poucas vinhas conseguiram sobreviver neste período.
Os números mostram o reinado destas duas regiões nos vinhos de Portugal. Do total de 7,3 milhões de hectolitros de brancos e tintos elaborados no país em 2021, Douro e Alentejo são responsáveis com quase 40% do total. Elaboram juntas 2,8 milhões de hectolitros pelos dados da ViniPortugal. E é uma produção crescente. Nos últimos cinco anos, no período de 2017 a 2021, a produção do Douro aumentou 2,61% e a do Alentejo, 7,79%.
A maior região produtora é o Douro, que neste período de, digamos, redescoberta dos vinhos portugueses, também soube se reinventar. Hoje, além dos vinhos fortificados, faz muito sucesso com brancos e, principalmente, tintos. O Alentejo, ao contrário do que se pode pensar, não foi no ano passado a segunda maior região produtora, mas sim a terceira. Em segundo lugar, está a região de Lisboa, que vem aumentando a sua importância no mundo de Baco.
São inúmeros fatores que explicam o sucesso de outras regiões produtoras portuguesas. Primeiro, desde a entrada do país na União Europeia, no final do século passado, Portugal passou a receber muitos recursos para investir também em aumentar a qualidade de seus vinhos. Aos poucos, foram saindo de cena aqueles vinhos muitas vezes rústicos e desbalanceados e entrando na taça brancos e tintos bem feitos, equilibrados, prazerosos.
Neste percurso, o país soube valorizar a sua riqueza. Um dos destaques deste pequeno país, que elabora vinhos de norte a sul, incluindo também as suas ilhas, é a quantidade de variedades autóctones, como são chamadas as uvas originárias em cada região. São mais de 200. A mais conhecida deve ser a Touriga Nacional, originária do Dão e que, com suas notas florais, de violetas, seus taninos presentes e sedosos, pode ser considerada “a” variedade portuguesa. Aqui, um parênteses: cerca de uma década atrás, teve um forte movimento de portugueses que queriam rebatizá-la de Touriga Portuguesa. Mas o nome original acabou prevalecendo.
Na vasta galeria de uvas portuguesas, há variedades como a Tinta Francisca, a Alfrocheiro, a Tinto Cão, e também uvas de nomes peculiares, como Rabo de Ovelha. E todo o trabalho das regiões produtoras está em valorizar as uvas locais ou mesmo tempo em que dividem espaço nos vinhedos com as chamadas variedades internacionais. De tão bem adaptada ao quente Alentejo, pode-se até se perguntar se a Syrah é mesmo originária no Rhône francês. E a Alicante Bouchet, também de origem francesa, é considerada uma cepa de alma portuguesa pela sua perfeita adaptação ao terroir do país.
Essa diversidade portuguesa também explica porque os consumidores passaram a conhecer as demais regiões portuguesas. A Bairrada, vizinha ao Dão, sempre foi a terra da baga, uma variedade tinta considerada “indomável”, por exemplo. Não mais! Num movimento de entender e valorizar a uva, liderado pelo produtor Luiz Pato, colocou a Bairrada e a Baga num novo patamar. Hoje, atrai nomes de referência para a região, como o dourense Dirk Niepoort.
E este é apenas um exemplo. No capítulo atual que Portugal escreve sobre seus vinhos nota-se não apenas a melhora na qualidade, dos vinhos simples aos top de linha, como uma procura por valorizar a diversidade de aromas e sabores dos seus brancos e tintos. E neste caminho, todas as regiões produtoras tendem a brilhar. Não apenas o Douro e o Alentejo.
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Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.