Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market
Nos últimos anos, o lançamento do Guia Descorchados no Brasil é sempre acompanhado de uma feira de vinhos, com destaque para os rótulos pontuados pela equipe do crítico chileno Patricio Tapia naquela edição. Neste ano, não foi diferente: 90 vinícolas de cinco países sul-americanos, incluindo os rótulos peruanos, que estrearam na versão on-line do guia, participaram desta mega-degustação em São Paulo (teve também um evento no Rio de Janeiro). Em cada pequeno estande, diversas garrafas estão à espera de degustadores ávidos por novidades, e os produtores e os enólogos estão prontos para responderem às diversas questões dos consumidores, desde qual é a uva ou o preço da garrafa até indagações mais técnicas sobre cultivo, vinificação e ou a história da vinícola.
Esta cena do Descorchados, que foi realizado na última terça-feira no Villaggio JK, não é muito diferente das demais feiras de vinho, que aconteciam com alguma frequência antes da pandemia, e começam a voltar ao calendário de Baco. Sempre que eu chego a estes eventos, me pergunto se vou conseguir provar tudo que me propus a degustar. Sei, de antemão, que a resposta será negativa no final do dia.
O caminho é traçar um roteiro do que eu realmente quero ou preciso provar. Isso me obriga a me programar com antecedência, ao menos entrar nos sites das vinícolas participantes, pesquisar informações nas publicações internacionais, o que nem sempre o visitante da feira consegue fazer. Nas feiras internacionais é mais fácil. Na maioria destes eventos, é preciso marcar horários prévios para conversar com os enólogos e produtores, o que facilita na organização.
Mas, voltando ao Brasil, a lição também inclui (ou deveria incluir) marcar no mapa quais os estandes devem ser visitados. Aqui, eu tenho uma diretriz de sempre começar por um espumante, mais por gostar deste estilo de vinho do que por alguma razão técnica de degustação. No Descorchados 2022, eu comecei pelo interessante Blanc de Blanc da Otronia, vinícola nova do bilionário argentino Alejandro Bulgheroni na Patagônia. É um terroir extremo, no qual o vento molda o crescimento das vinhas e o amadurecimento das uvas, e resulta em brancos e tintos de muita personalidade. E não foi diferente com este espumante, elaborado apenas com a Chardonnay e que fica 25 meses em autólise (quando a levedura ou o que restou dela fica em contato com o vinho na garrafa, ganhando complexidade).
O ideal seria primeiro provar todos os espumantes, passar pelos estandes que têm os brancos que me interessam e depois ir para os tintos. Por último, degustaria os rótulos de sobremesa e os fortificados. Se eu provo um vinho do Porto logo no começo deste périplo, sei que a minha resistência será menor ao longo do dia. Mas já desisti desta organização pelo tempo de que isso envolve. Apenas em feiras pequenas sigo esta ordem de espumantes, brancos, tintos e sobremesa. Nas maiores, melhor provar os vinhos de cada vinícola para entender seu conceito, seguindo, em cada estande a ordem crescente de complexidade entre os rótulos. Só deixo mesmo para o final os fortificados, o que significa às vezes não prová-los, seja porque as garrafas acabam antes de eu conseguir passar no estande, seja porque não consegui mesmo voltar ao estande antes do final da feira.
Eu gosto muito de mesclar as degustações com os produtores em seus estandes com os seminários que acontecem cada vez mais nestes eventos. A partir da prova batizada de Novos Olhares, realizada um dia antes do Descorchados, em São Paulo, foi possível me planejar para ir atrás de algumas tendências durante a feira. Neste painel, por exemplo, Alejandro Vigil, enólogo tanto da vinícola Catena Zapata, como da El Enemigo, em Mendoza, apresentou um torrontés da linha Gran Enemigo, com uvas cultivadas em Gualtallary. Era um branco bem diferente dos demais Torrontés, em geral florais demais e com um amargor que me desagrada. Ao provar um vinho fora da curva, ainda sem previsão de chegar ao Brasil, como este de Vigil, eu aproveitei para procurar na feira outros brancos com esta variedade.
Neste planejamento, é também importante reservar um tempo para conversar com os demais degustadores. Sempre tem um vinho que um amigo gostou e que te convida para provar. Ou aquela garrafa escondida embaixo da mesa que os produtores trazem e oferecem quando o visitante mostra mesmo interesse no projeto – é sabido que, infelizmente, muitos aproveitam estes eventos apenas para aumentar a sua litragem, o que é uma pena. Mas os degustadores interessados muitas vezes são recompensados com vinhos diferenciados.
Outro ponto é aprender a não ter vergonha das cuspideiras. Elas têm o propósito de nos ajudar a trabalhar: todo ser humano tem o seu próprio limite de ingestão de álcool. Em tempos de pandemia, melhor levar a sua própria cuspideira – eu esqueci a minha e um copo plástico descartável fez perfeitamente esta função. Nestes tempos de novos normais, gostei também de uma ideia de Malu Sevieri, diretora da Emme Brasil, que organiza diversas feiras no Brasil, inclusive a ProWine. É colocar um adesivo colorido no crachá de identificação de cada participante. Tem o adesivo verde aquele que quer um abraço e não se importa com o contato físico; o amarelo vai para aqueles que acham que um pequeno distanciamento é necessário, mas não mais do que isso. Por fim, o vermelho é para aqueles que não querem contato físico algum enquanto o vírus ainda está presente. No meu caso, eu colocaria o vermelho, que este Coronavírus e suas mutações ainda me preocupam.
Outro ponto é calcular quantos vinhos provar no evento. Eu parto do princípio de três rótulos por estande e aviso quem irá me servir logo no início deste limite. São poucos aqueles que realmente “escutam” o que eu digo e alguns se assustam quando, no término da terceira dose, eu aviso que estou satisfeita. Claro que gostaria de provar muito mais, mas o organismo tem os seus limites. Gosto de degustar um vinho básico, que começa a dar a diretriz da vinícola. O vinho da faixa intermediária mostra a maestria do enólogo e o premium o seu potencial.
Mas esta quantidade varia. Eu mesmo acabo pedindo para conhecer outros vinhos, quando acho que o tema pode render algum artigo. Mas é preciso fazer as contas: provar três vinhos das 80 vinícolas, o que é sempre a meta, significa degustar com atenção 240 vinhos em um dia, no caso do Descorchados. O meu organismo não segura este volume.
Confira o calendário com as próximas feiras de vinho
Vinitaly, de 10 a 13 de abril, em Verona, na Itália
Info: www.vinitaly.com
Encontro de Vinhos São Paulo, 30 de abril, na Casa das Caldeiras, em São Paulo, Brasil
Info: www.encontrodevinhos.com.br
São Paulo International Wine Trade Fair, de 10 a 12 de maio, em São Paulo, Brasil
Info: www.winetradefair.com.br
Encontro de Vinhos Campinas, 7 de maio, no Tênis Clube, Campinas, Brasil
Info: www.encontrodevinhos.com.br
ProWein 2022 – de 15 a 17 de maio, em Düsseldorf, na Alemanha
Info www.prowein.com
London Wine Fair, de a 9 de junho, em Londres, Inglaterra
Info: www.londonwinefair.com
Wine South America, de 21 a 23 de setembro, em Bento Gonçalves, Brasil
Info: www.winesa.com.br
ProWine São Paulo, de 27 a 29 de setembro, em São Paulo, Brasil
Info: www.prowinesaopaulo.com
ProWine Shanghai, de 8 a 10 de novembro, em Shanghai, China
Info: https://www.prowein-world.com/en/ProWine_Shanghai
2023
Wine Paris e Vinexpo Paris, de 13 a 15 de fevereiro de 2023, em Versailles
Info: wineexposium.com
Conheça a curadoria de vinhos chilenos, argentinos e brasileiros pontuados pelo Guia Descorchados do Sonoma Market!
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.