Uma nova imagem para o Chile
O país precisa mostrar que tem marcas premium para aumentar o valor agregado de seus vinhos.
Por Suzana Barelli, especial para o Sonoma Market
No final de novembro, a Wines of Chile encerrou uma série de degustações no Brasil com um jantar de gala no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. O espaço, que pela primeira vez sediou uma prova de vinhos, foi escolhido a dedo para transmitir uma ideia de sofisticação e de glamour ao evento.
Os seletos convidados – ainda estamos em tempos de covid e a lotação foi restrita a pouco mais de 70 pessoas – podiam observar obras de arte, como o quadro “Operários”, de Tarsila do Amaral, no trajeto até a sala decorada especialmente para a ocasião.
Os vinhos eram a estrela do evento, que marcou os dez anos de atividade da Wines of Chile, entidade criada para promover os vinhos do país, no Brasil. Em cada mesa, rótulos como o La Piu Belle, um belo rosé da Viña Vik, o elegante tinto Las 3 Marias, da Gandolini; o Mediterráneo, projeto alternativo da Morandé; o clássico Montes Alpha M; ou o carmenère ícone Carmin de Peumo, entre tantos outros, eram servidos para apreciação dos convidados. Ao fundo do salão, um bar de vinhos disponibilizava ainda mais garrafas para os presentes degustarem e, principalmente, se surpreenderem com a qualidade crescente dos brancos e tintos andinos.
A mensagem nada subliminar era mostrar que o Chile não é o país dos vinhos Reservados, que recheiam as gôndolas de qualquer supermercado no Brasil. Mudar esta imagem é uma questão importante e urgente para o país andino, que atualmente exporta 80% dos seus vinhos.
Mesmo sem qualquer legislação a respeito, os ditos Reservados dão a ideia para o consumidor desavisado ou para aquele que está entrando no mundo de Baco, que se trata de uma categoria de classe, com sorte até melhor do que os Reservas. Mas o fato é que Reservado não quer dizer exatamente nada. Não significa uma colheita mais cuidadosa ou uma vinificação em tanques especiais. Menos ainda um amadurecimento prolongado em barricas de carvalho francês. Reservado é um nome fantasia, livre para ser explorado por qualquer vinícola em seu plano de marketing.
A questão é que foram os Reservados que abriram o mercado de vinho chileno no Brasil até levar o país na liderança dos rótulos mais importados para cá. Na série histórica, o Chile ocupa o primeiro lugar, com mais de 40% de participação de mercado em volume, no ranking dos vinhos mais importados pelo Brasil. Nos últimos anos, Argentina e Portugal se revezam na vice-liderança, cada um com cerca de 15% do mercado.
No evento de gala, Angelica Valenzuela, diretora comercial da Wines of Chile, comemorava que o Brasil hoje representa 15% do volume total das exportações de vinhos chilenos e lidera o ranking do destino de garrafas do país, a frente da China e dos Estados Unidos, que ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares. Atualmente, os vinhos representam quase 6% do total das exportações do país andino (sem incluir o cobre) e vem crescendo em importância.
Esta liderança, no entanto, se baseia em vinhos mais simples e, principalmente, de baixo valor agregado. Um exemplo é que o valor médio da caixa de 9 litros de vinho chileno que entra no Brasil é de US$ 23,90 (valor FOB). Isso significa menos de US$ 2 por garrafa, lembrando que a caixa de 9 litros corresponde a 12 garrafas de 750 ml.
Esta mesma caixa de 9 litros de vinhos importados da França tem um valor de US$ 49,10, mais do que o dobro do que o valor que os chilenos conseguem exportar para cá. Na vizinha Argentina, é de US$ 26,50, nos dados da consultoria Ideal. A conclusão é clara: “O Chile precisa fazer o marketing institucional do valor agregado aqui no Brasil”, afirma Felipe Galtaroça, CEO da Ideal, empresa especializada em dados de mercado de bebidas.
O próprio ciclo de degustação, que terminou com o jantar, foi batizado de Wines of Chile Luxury Tastings e incluiu eventos presenciais e on-line durante todo o segundo semestre em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nas degustações, apenas rótulos selecionados para mostrar que o Chile tem, sim, vinhos premium. E eles são muitos, não apenas dois ou três tintos de muita qualidade, como os já cultuados Almaviva, resultado da parceria da gigante chilena Concha Y Toro com o Château Mouton Rothschild, de Bordeaux; o Sena, o projeto biodinâmico de Eduardo Chadwick ou o Don Melchor, o tinto ícone da Concha y Toro, que ganhou até uma vinícola própria dois anos atrás.
O ciclo trouxe à prova aqueles brancos e tintos que não estão no topo da pirâmide, mas estão quase lá. Com forte vocação exportadora, o Chile foi muito hábil em desenvolver também esta categoria de vinhos que o brasileiro ainda conhece pouco. Nas últimas duas décadas, os produtores do país intensificaram o trabalho de conhecer melhor seu terroir e aproveitar suas características únicas, seja de norte a sul, como de leste a oeste.
Um exemplo são os vinhedos aos pés da imensa Cordilheira dos Andes, com picos de até 6.962 metros de altura do nível do mar, que moldam os vinhedos com a brisa fria da montanha e a água do degelo. Do outro lado deste país comprido e estreito – são 4.300 quilômetros de norte a sul e 177 quilômetros de leste a oeste – , o gelado Oceano Pacífico traz correntes marítimas frias que proporcionam o lento amadurecimento, principalmente, das variedades brancas. Ao investirem em conhecer o seu terroir, o Chile passou a colocar tintos, principalmente, mas também brancos de estilo diferente daqueles rótulos conhecidos do Vale Central.
Um exemplo é o Tara, um projeto no Deserto do Atacama, bem ao norte do país, com forte salinidade. No outro extremo, no vale de Malleco, ao sul, nascem brancos e tintos de muita personalidade, para ficar em apenas dois casos, que mostram o aumento não apenas da qualidade dos vinhos já elaborados, como o surgimento de novos brancos e tintos e de novas regiões produtoras.
Mas a questão que fica é: será que o Chile vai conseguir mudar esta imagem? Se depender da qualidade dos seus vinhos, a resposta é sim, como mostraram os vinhos provados no Luxury Tastings. Mas a resposta, aqui, cabe mais ao consumidor brasileiro. Será que ele vai migrar naturalmente em direção aos rótulos de maior qualidade ou se contentar com os mais simples, ainda mais em um período de crise econômica? Aqui, só o tempo trará esta resposta.
Jornalista especializada em vinhos, Suzana Barelli agora também é colunista especial do Sonoma Market.
Suzana é atualmente colunista de vinhos do caderno Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo. Ela escreve de vinhos desde o início dos anos 2.000. Foi editora de vinhos e diretora de redação da Revista Menu, e redatora-chefe da Revista Prazeres da Mesa. Também atuou como jornalista nas revistas Gula, Primeira Leitura e Carta Capital, e nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico.