Todos nós gostamos de um bom vinho. Uma das bebidas mais antigas do mundo, o vinho tem a vantagem de ser versátil, diverso, com características bem distintas que combinam com praticamente qualquer momento, e com qualquer refeição.

Conforme vamos conhecendo, experimentando e se aprofundando, definimos nossas preferências em relação aos estilos: algo mais seco, mais doce, encorpado, leve, seja harmonizando conforme orientação do guia da semana ou do seu coração.

Entre as diversas versões que o vinho pode apresentar, o vinho licoroso é uma das mais misteriosas e obscuras. É um vinho? É um licor? Uma mistura de ambos ou talvez nenhum deles? Desvende conosco os mistérios do vinho licoroso, como harmonizá-lo e como escolher o seu favorito neste artigo!

O que é vinho licoroso?

Difícil de se identificar no Brasil por conta dos chamados “vinhos suaves”, o vinho licoroso é basicamente um vinho doce, e com teor alcoólico relativamente alto para um vinho.

A legislação brasileira define o vinho licoroso como tendo um teor alcoólico entre 14 e 18%, podendo ser elaborado com fermentação do mosto de uvas, fermentação a partir de destilado vínico ou até ambos.

Isso o diferencia de um vinho suave pois um vinho doce naturalmente fermentado ou fortificado apresenta teor alcoólico elevado. É importante lembrar que essa definição não reflete o país de origem do vinho, onde pode ser considerado um vinho tranquilo ou de outro estilo.

O vinho licoroso também se diferencia dos licores de frutas, pois precisa passar por processo de fermentação natural ou fortificação, enquanto licores de frutas podem ser elaborados através de uma simples infusão das frutas em uma base alcoólica destilada.

No entanto, muitos podem conhecer este estilo de vinho por outros nomes, como os famosos vinhos de sobremesa ou digestivos.

História do vinho licoroso

A legislação do vinho licoroso no Brasil é relativamente nova, com pouco mais de 30 anos. No entanto, a humanidade tem produzido vinhos doces desde a antiguidade clássica e talvez até antes.

Algumas castas específicas podem desenvolver alto teor de açúcar na vinha se deixadas para maturar completamente. Esta característica, juntamente com o solo e clima corretos, podem resultar em vinhos naturalmente doces e licorosos.

Na ausência de castas ou climas próprios para produção de vinhos licorosos, diferentes povos, através do domínio de diferentes métodos, desenvolveram seus próprios estilos de vinhos doces.

Os antigos romanos adicionavam mel durante a fermentação do vinho, para adocicá-lo  e deixá-lo mais forte, técnica hoje amplamente utilizada em todo mundo, muitas vezes com açúcar no lugar do mel.

Em outras regiões mais frias, as vinhas não eram colhidas antes da primeira nevasca de inverno, fazendo com que a uva madura congelasse juntamente com os açúcares, que eram então prensados sem perder nada do dulçor, criando assim os vinhos de gelo, populares no Canadá e Alemanha.

Na antiga Cartagena, na Espanha, se produzia um vinho a partir de uvas passas completamente maturadas na vinha, para aproveitar o máximo o açúcar, resultando em um vinho perfumado e bastante doce que se popularizou por toda a região mediterrânea.

No Século XVI era comum adicionar aguardente vínica ao vinho para aumentar a longevidade, tornando o vinho mais resistente para grandes viagens marítimas, um processo conhecido como fortificação, e assim se originou o vinho do porto. Já na Hungria, reza a lenda que o primeiro Aszú, famoso vinho doce cultivado por uvas fermentadas com podridão nobre, foi criado em 1630.

Estes métodos e estilos eventualmente tornaram-se os vinhos licorosos e de sobremesa que temos acesso hoje.

Como é feito o vinho licoroso?

Os produtores de vinho licoroso querem produzir um vinho que contenha altos níveis de açúcar e álcool. A legislação brasileira determina que vinhos licorosos são aqueles elaborados através de três formas distintas:

  • Fermentação do mosto de uvas viníferas
  • Fermentação do próprio vinho
  • Ou uma combinação de ambos os métodos anteriores. 

Também é permitida uma série de adições, como mosto adocicado ou álcool de origem agrícola para fortificação.

No entanto, existem muitas maneiras de aumentar os níveis relativos de açúcar no vinho final, diferentes técnicas podem ser utilizadas para a criação de vinho licoroso, aprimoradas e refinadas, resultando em diferentes estilos. Vamos conhecer os métodos utilizados nos principais vinhos licorosos ao redor do mundo.

Vinificação Natural

Trata-se de cultivar uvas que naturalmente tenham açúcar suficiente para fermentação completa e residual para adoçar o vinho.

Adição de açúcar

Consiste em adicionar açúcar ao vinho, seja antes da fermentação na forma de açúcar refinado ou mel (Chaptalização), seja após a fermentação como mosto não fermentado (Süssreserve).

Adição de açúcar ou fortificação

Método onde se adiciona álcool (normalmente de destilado vínico) ao vinho antes que todo o açúcar seja fermentado.

Redução de água

Técnica utilizada de diferentes formas, resultando em diferentes estilos:-Em climas quentes, a água é reduzida secando as uvas ao ar para fazer vinho de passas.

  • Em climas muito frios, permite-se que a uva madura se congele, concentrando o açúcar residual na água dentro das uvas, utilizadas para fazer vinho de gelo.
  • Em climas temperados húmidos, alguns locais se utilizam da presença de uma infecção fúngica, Botrytis cinerea, para maturar as uvas com podridão nobre, resultando nos famosos estilos Sauternes e Tokaj.

Tipos de vinho licoroso

Pensando em toda a história e diferentes métodos de produção, não é de se admirar que tenhamos tantos diferentes tipos de vinho licoroso na atualidade. Tão diversos quanto os vinhos tranquilos, os perfis de vinho licoroso podem variar bastante, influenciados pelo método de produção, uvas utilizadas e clima de produção.

Vamos conhecer mais de perto alguns dos principais tipos, muitos deles consumidos como vinhos de sobremesa ou até mesmo como digestivos, seja antes ou após refeições.

Porto

Estilo icônico de Portugal, o Vinho do Porto é um vinho licoroso de alto teor alcóolico, dulçor e caráter rico, com aromas potentes e sabor intenso. Embora seja muito conhecido como um vinho tinto, é produzido nas versões seco, meioseco e branco.

O Vinho do Porto é produzido a partir de uvas cultivadas e processadas na região e denominação de origem do Douro, com o nome fazendo alusão a cidade de Porto, de onde era amplamente comercializado no século XVIII. Um dos vinhos licorosos mais longevos, os vinhos do porto podem durar 50 anos ou mais, e resistiam muito mais que vinhos tranquilos às grandes viagens marítimas da época.

Muitas uvas podem ser utilizadas na elaboração do Vinho do Porto, com destaque para Tinta Barroca, Tinto Cão, Tinta Roriz (Tempranillo), Touriga Francesa, and Touriga Nacional, todas crescendo excepcionalmente bem com o microclima privilegiado do Vale do Douro.

O vinho é elaborado através do método de fortificação, com aguardente vínica (grapa, bagaceira) adicionadas ao mosto para aumentar a concentração de álcool e açúcar. A fermentação também é interrompida, com o açúcar residual dando o dulçor característico do vinho. 

Após interrompida a fermentação, o vinho pode repousar em garrafas de vidro (Porto Rubi) ou barris de carvalho antes de ser engarrafado (Porto Tawny). Os processos dão origem aos estilos mais populares de porto.

Madeira

Madeira é um tipo popular de vinho licoroso fortificado produzido nas Ilhas Madeira, uma Região Autónoma de Portugal. Todo vinho produzido nas ilhas pode levar a denominação de Vinho Madeira, com estilos secos, licorosos e até mesmo vinhos culinários com adição de sal e pimenta, impróprios como bebida.

Apesar dos diversos estilos, o mais conhecido é o vinho licoroso fortificado Madeira. Semelhante ao porto Tawny, este vinho é elaborado através de castas de uvas cultivadas na ilha, com aguardente vínica adicionada e fermentação interrompida conforme necessidade, e envelhecimento em barris de carvalho.

O que difere um Madeira de um Porto Tawny em sua produção é o método de envelhecimento. Para Madeiras mais baratos, o vinho é envelhecido e induzido artificialmente ao calor para acelerar o processo. 

Já o sistema de “canteiro” consiste em deixar o vinho abastecido em barris de carvalho em uma sala de alta temperatura simulando o porão de um barco. A alta temperatura permite ao vinho se mesclar de forma única a madeira, criando o perfil do vinho da Madeira. O resultado deste processo é um vinho rico, intensamente doce, perfil caramelizado e robusto. 

Um dos vinhos mais longevos do mundo, feito para durar em condições adversas, um Madeira pode durar tranquilamente 50 anos, mesmo aberto, desde de que conservado com rolha. 

Antes do avanço em tecnologia de refrigeração, o Vinho da Madeira e sua longevidade característica eram particularmente procurados em lugares onde se tinha dificuldade de construir adegas subterrâneas para conservar o vinho.

Jerez

O Jerez ou Xerez, como é conhecido em alguns lugares, é um vinho licoroso fortificado espanhol muito apreciado ao longo de décadas de produção, sobretudo na Inglaterra, onde é conhecido como Sherry. O nome é derivado da da cidade de Xerez da Fronteira, cidade em Andaluzia, perto de onde as uvas eram originalmente cultivadas.

Dentro da Denominação de Origem Protegida (DOP), o Jerez pode ser produzido a partir de três uvas somente: uva Palomino, Moscatel e Pedro Ximénez, podendo apresentar diferentes estilos, do mais claro e leve ao mais robusto e intenso, de acordo com o método de produção, embora todos sejam vinho licoroso.

De colheita minuciosa e fermentação controlada, os tipos de Jerez são subdivididos de acordo com a concentração de açúcar do mosto após a primeira fermentação: Fino para a concentração mais leve e Oloroso para a mais pesada.

Após concentração é adicionada aguardente vínica para fortificação e a mistura segue para envelhecimento no sistema Solera: uma pirâmide de barris de 3 a 9 unidades com o vinho mais novo no topo. Conforme o vinho envelhece, uma parte é movida para baixo ou engarrafada conforme o estilo desejado. O que não for bom para fermentação é destilado, tornando-se vinagre de Jerez ou conhaque.

Reverenciado como um tesouro da cultura do vinho, o Jerez é bastante referenciado na cultura Pop em autores como William Shakespeare, Edgar Alan Poe, e Ian Flemming.

Vermute

O Vermute é um vinho licoroso fortificado, se diferenciando de outros por ser aromatizado com diversos botânicos, sejam ervas, raízes, flores, sementes ou temperos. Este estilo era originalmente utilizado para fins medicinais, sendo aquecido para combater resfriados e tosses, ou recomendado para problemas estomacais.

Embora vinhos fortificados e aromatizados com ervas tenham feito parte da história da humanidade, a versão moderna do Vermute foi elaborada pela primeira vez no século XVIII em Turim, na Itália. De bebida medicinal, acabou se popularizando como aperitivo em cafés e restaurantes, e então como ingrediente na coquetelaria clássica.

O Vermute pode ser encontrado mais comumente nas versões tinto, branco e rosé, sendo seco ou licoroso. Pode ser produzido a partir de uma grande variedade de uvas. O mosto é fortificado com aguardente vínica e açúcar antes da fermentação, assim como os botânicos selecionados. A coloração do vermute pode vir dos botânicos, vinho tinto adicionado ou corantes naturais.

Apesar de ser um vinho licoroso, vermutes secos e alguns doces tem um lado notavelmente amargo, fazendo-os ingredientes importantes na coquetelaria clássica, compondo drinks famosos como Negroni ou Dry Martini.

Marsala 

Criado na cidade Italiana que leva seu nome, o Marsala é um vinho licoroso fortificado, elaborado nos moldes do Porto e Jerez, mas com uvas italianas distintas. Em 1969, Marsala recebeu sua Denominação de Origem Controlada (DOC), que vale somente para vinhos fortificados, vinhos não fortificados produzidos na região não podem utilizar o nome Marsala.

Este vinho, até então popular na região da Sicília, ganhou maior reconhecimento quando um mercador e navegador inglês aportou na cidade de Marsala no século XVIII. Ele achou o vinho semelhante aos vinhos fortificados portugueses e espanhóis, muito populares na Inglaterra. Reconhecendo que o vinho tinha as qualidades necessárias para resistir a longas viagens marítimas, decidiu comercializar o vinho, que caiu no gosto dos ingleses.

O Marsala é envelhecido no sistema in perpetuum, muito semelhante ao solera espanhol, que permite que o vinho se mantenha equilibrado em termos de álcool e dulçor, facilitando a separação dos estilos e mantendo a produção uniforme.

Elaborado com uvas italianas, é muito apreciado como aperitivo, consumido antes ou entre refeições. Também é bastante utilizado na culinária italiana, principalmente por imigrantes, para elaboração de molhos, risotos e até sobremesas.

Características dos vinhos licorosos

Os vinhos licorosos são definidos por seu perfil adocicado, mesmo os considerados secos, e um teor alcóolico elevado, permitindo maior longevidade. Devido ao dulçor são muito apreciados como vinhos de sobremesa ou aperitivos, auxiliando na digestão e consumidos antes, durante ou após refeições.

São em sua maioria envelhecidos em madeira, adquirindo característicos aromas de caramelo, toffee, baunilha e coco. Os que não são envelhecidos tendem a trazer no aroma notas de mel, mel de flor, compota de fruta e até criticidade.

No caso de vermutes, o que define seu perfil são os botânicos utilizados nas receitas, conferindo diferentes perfis aromáticos e variação entre os sabores adocicados e amargos.

Como harmonizar?

Devido a sua popularidade ao longo dos anos, vinhos licorosos tem harmonizações bem definidas e confirmadas.

Vinhos do Porto combinam com diversos queijos maturados e sobremesas, Rubi se destaca ao lado de sobremesas à base de chocolate e queijos azuis como gorgonzola, enquanto Tawny realça queijos mais maduros, castanhas e amêndoas.

Vinho Madeira tem um perfil robusto e muito aromático e caramelizado, combinando muito bem com chocolate mas também com frutas frescas como morango, coco e abacaxi, além de sobremesas à base de café como um belo Tiramisu.

Jerez vai bem com massas doces, como croissants de chocolate ou torta de maçã com canela, onde seu dulçor não interfere com o sabor da sobremesa.

O Vermute, por ter um perfil mais amargo, não é tão recomendado para harmonização, consumido antes da refeição para abrir o apetite e auxiliar na digestão posterior. Mas é altamente utilizado em diversos drinks, sendo uma bebida versátil para se ter à mão.

O Marsala tem grande potencial culinário como ingrediente mas é uma excelente opção de vinho de sobremesa, brilhante em harmonizações com nozes, frutas secas e queijos azuis como roquefort.

Conclusão 

Os vinhos licorosos tiveram grande impacto na história da humanidade e garantiram seu lugar à mesa até os dias de hoje. Sendo o estilo mais longevo de vinho, para muitos colecionadores é motivo de orgulho ter uma safra vintage de um Porto ou um Madeira que podem ser guardados por décadas.

Mas o grande prazer está em desfrutar, com moderação, destes maravilhosos sabores e definir o seu favorito, ou aproveitar todos com base em sua harmonização e descobrir suas combinações favoritas.

De qualquer forma, após provar alguns destes grandes estilos, nunca encaramos a ideia de um vinho doce da mesma maneira que antes.

Saúde!
Sidnei Fernandes,

Equipe de Marketing do Sonoma Market.

Blog Sonoma Market

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